Call | Globalização, Política e Cidadania

Chamada para trabalhos |Globalização, Política e Cidadania

Coordenadores

Alcides Monteiro [ UBI ]

Fernando Bessa Ribeiro [ UTAD ]

João Carlos Graça (ISEG-UL)


Temos vivido num ambiente global complexo e multidimensional, predominantemente caracterizado por dimensões de pertença frequentemente ‘ortogonais’, ficando assim superlativamente dificultadas quer a ação coletiva, quer o desempenho de diversas funções inerentes à soberania do Estado-nação. Considerando os debates em torno da modernidade, se alguns admitem que ‘somos todos pós-modernos’, deve notar-se também que alguns de nós são, por assim dizer, mais pós-modernos do que os outros… Dito de outra forma, a vexata quaestio da ‘desigualdade entre os homens’ continua a perseguir-nos, a condicionar-nos e, não raro, a atormentar-nos de múltiplas formas.

A frequentemente mencionada condição de isolamento/alienação é por vezes vivida de forma entusiasta, através de múltiplas expressões narcisísticas; mas é também não raro experienciada como nostalgia da ‘comunidade originária’ perdida, a qual alimenta aliás toda uma enorme variedade de ideologias identitárias grupais, ambicionando a respetiva ‘verificação’ ou validação performativa. De tais processos é, entretanto, normalmente expurgada a dimensão universalista, resvalando se assim para uma subtil naturalização do próprio facto constitutivo das desigualdades.

Estas dinâmicas sociais são acompanhadas de várias expressões de crise nos sistemas políticos dos países mais ricos, bem como no sistema de relações internacionais. Irrompem factos novos, percebidos como incontroláveis, de opções oficialmente cogitadas como excêntricas ou mesmo patológicas/anormais, usualmente rotuladas como “populismos”. Sem descartar a enorme diversidade de causas e de formas de tais manifestações, é incontornável que presenciamos um desapego crescente de populações inteiras relativamente a sistemas políticos percebidos e sentidos com crescente ceticismo, ou mesmo com declarada oposição. Intrinsecamente muito diversos, os fenómenos ‘populistas’ mantêm relações muito variáveis com o sistema dos ‘media’, o que também sugere prudência na sua categorização. A título de exemplo, ‘populistas’ podem ser considerados quer Jair Bolsonaro, positivamente ‘levado ao colo’ à presidência do Brasil pela TV Globo, quer Donald Trump, por contraste predominante hostilizado pelos ‘media’ norte americanos (e, de forma mimética, pelos de todos os países da órbita cultural norte-americana), mas defendido intransigentemente pelas suas hostes de deplorables, que normalmente se consideram desalojadas da posição de domínio (ou, pelo menos, de subalternidade confortável) de que tradicionalmente gozariam nos EUA.

Trump e Bolsonaro são também expressões da enorme turbulência das relações internacionais, onde o ‘século norte-americano’ está seriamente posto em crise, acima de tudo pela consolidação do bloco sino-russo, fazendo finca-pé em teses ‘soberanistas’, aliás consagradas na própria Carta da ONU, contra o intervencionismo imperial ‘humanitarista’ da ‘nação excecional’ que caracterizou o período do imediato Pós-Guerra Fria. De facto, os EUA revelaram-se, nestas últimas décadas, capazes de destruir eficazmente várias outras sociedades politicamente organizadas (Jugoslávia, Somália, Afeganistão, Iraque, Líbia…) e promover a sua variedade de Kleinstaaterei (Bósnia, Kosovo, Sudão meridional, Curdistão iraquiano…). Em contraponto, porém, foram incapazes de transmutar esse ímpeto aniquilador numa qualquer dinâmica de ‘destruição criadora’, enfrentando crescentes dificuldades mesmo nessa empreitada estritamente destruidora, como ilustra bem o caso da Síria.

No plano estritamente económico, se a euforia ‘globalista’ da viragem de século desembocou sobretudo em várias e galopantes crises e numa explosão de capitalismo híper-financeiro com impacto em diversos países, quer do centro quer da periferia, já experiências de trajetórias económicas mais autocentradas, moderadamente autárcicas e baseadas na intervenção estatal ‘dirigista’ têm sido capazes de promover crescimento económico e melhoria generalizada nos indicadores ditos de ‘desenvolvimento humano’. A China é o melhor exemplo desta dinâmica, cujo modelo combina abertura ao capital estrangeiro, apropriação tecnológica, nomeadamente por imitação, e desenvolvimento autónomo que concorrem para desafiar a hegemonia ocidental e o domínio do mundo pelos EUA.

Pretende-se que as propostas de comunicação que se inscrevem nesta secção temática sejam construídas a partir de diferentes enfoques teóricos e metodológicos, podendo ser sustentadas por pesquisas empíricas, nomeadamente em contextos não europeus. Serão igualmente acolhidas propostas de comunicação que tenham por origem projetos de investigação aplicada ou de investigação-ação, nomeadamente no quadro do exercício profissional fora da academia. Para além das comunicações orais, serão ainda aceites posters e documentos visuais, como curtas-metragens ou pequenos filmes. As propostas recebidas serão avaliadas com base nos seguintes critérios: (i) clareza do título e coerência da proposta; (ii) explicitação da metodologia subjacente à investigação, quando justificável; (iii) relevância e originalidade do enfoque. Será ainda um critério de valoração a proximidade da proposta a um dos seguintes temas:

(i) ‘Desglobalizações’: causas, dinâmicas e perspetivas;

(ii) ‘Soberanismos’, nacionalismos e a renovação do Estado-nação como ator institucional na arena internacional;

(iii) Populismo ou populismos? Expressões e principais debates teóricos;

(iv) Entre o inorgânico e a organização: casos e possibilidades de ação para movimentos sociais;

(v) Integrações regionais, globalismo e ‘soberanismos’: os casos europeu e latino-americano.

Deste modo, convidamos todos os sociólogos/as, investigadores/as e profissionais correlacionados/as, ao envio de propostas de resumo de investigações situadas em contexto académico e não académico como resposta à nossa Call.

Serão aceites posters e documentos visuais como curtas metragens ou pequenos filmes centrados em projetos ou intervenções. Estas propostas, não obstante as diferenças entre contexto académico e contexto não académico, devem ser formuladas considerando um enquadramento teórico, objetivos, metodologias utilizadas, diagnóstico, resultados e conclusões.

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